Samir Gorsky
Resumo: A partir dos trabalhos de Gottlob Frege, David Kaplan e outros apresentaremos um pequeno comentário ao artigo What are Indexicais? de John Perry (este artigo aparece no livro [Perry 2000]). O objetivo do presente texto é tratar a teoria dos indexicais de maneira introdutória e crítica. Abordaremos pontos centrais de tal teoria tais como a análise do contexto de uso dos indexicais e a aproximação entre a refletividade e a indexicalidade presentes nos trabalhos de Reichenbach.
Grosso modo os indexicais são palavras ou expressões lingüísticas cujos os significados mudam conforme os contextos de uso. Normalmente o fenômeno da indexicalidade aparece em termos como os pronomes e os pronomes demonstrativos, porém encontramos este fenômeno em diversos outros tipos de palavras. O fenômeno da indexicalidade está ligado a certos tipos de ambigüidades. Duas pessoas podem dizer coisas diferentes ao proferir uma mesma sentença, palavra ou expressão. Por exemplo: João e Maria dizem diferentes coisas ao proferir o pronome ‘eu’. Alguns filósofos (seguindo [Kaplan 1989]) sustentam que os indexicais possuem dois tipos de significado. Um deles pode ser denominado “caráter” (character) ou significado lingüístico. O outro pode ser denominado “conteúdo” (content). Usando esta terminologia, dizemos que o pronome ‘eu’ possui um único “caráter” (ou significado lingüístico), mas pode possuir diferentes “conteúdos” em diferentes contextos. Uma teoria sobre a semântica dos indexicais tem por objetivo evitar certas ambigüidades tão prejudiciais ao entendimento lógico de nossa linguagem (cf. [Braum 2007]).
Ao desenvolvermos uma teoria sobre indexicais devemos levar em conta a definição deste conceito. Além disto devemos procurar entender o que esta tal definição define. As duas observações acima nos remetem a duas grandes áreas da filosofia, a saber: a metafísica e a epistemologia. A referência à metafísica é feita, pois estamos lidando com a pergunta “o que são indexicais?”. A referência à epistemologia surge no presente contexto, pois estamos também lidando com a pergunta “o que entendemos por indexicais?”. Dadas, então, estas duas perguntas definimos um estudo acerca dos indexicais. Tal estudo dos indexicais nos leva, de imediato, à análise do seu contexto de uso. Os contextos de uso dos indexicais podem ser classificados, segundo [Perry 2000], a partir de dois níveis: o pré-semântico e o semântico. Tal maneira de percebermos os contextos de uso dos indexicais nos ajudará a identificar situações de possíveis ambigüidades com relação ao uso de determinadas palavras que podem, ou não, ser indexicais. Com relação ao uso de palavras, podemos ainda fazer uma analise da sua forma. Esta analise é tomada a partir dos conceitos “token” e “utterance” (ver [Perry 2000] pp. 318-9 para maiores detalhes acerca de “token” e “utterance“). Por fim, veremos que existe uma proximidade nítida entre a reflexividade e o “fenômeno da indexicalidade”. Proximidade esta já identificada em [Reichenbach 1947].
Com relação ao estudo do contexto de uso dos indexicais Perry define o uso semântico e o uso pré-semântico. O contexto de uso das palavras normalmente nos ajuda a perceber tanto o significado da palavra usada quanto a palavra que está sendo usada (por exemplo: nos casos em que duas palavras são muito semelhantes). Ele ainda serve para definir o idioma que está sendo usado. Neste sentido “usamos” o contexto de uso das palavras que são usadas para compreender melhor os seus significados. É este tipo de uso do contexto que Perry definirá como semântico ou pré-semântico (ver [Perry 2000] p. 314). O contexto pré-semântico é útil para definirmos qual o idioma e a palavra que está sendo empregada (por exemplo: o caso dos homônimos entre dois idiomas). Já no caso do contexto semântico seu uso é definido quando já sabemos quais as palavras que estão sendo usadas, mas precisamos determinar os seus significados (por exemplo: os indexicais e os usos anafóricos dos pronomes).
Perry combina quatro distinções duas a duas para tratar dos contextos indexicais. Estas distinções são divididas nos seguintes dois grupos de distinções complementares: Automático/Intencionais e Estreitos/Largos. Os contextos “estreitos” (narrow) consiste de fatos acerca do proferimento da palavra. Perry toma os agentes, o tempo e o espaço como elementos deste tipo de contexto. Um exemplo de indexical que necessita apenas deste tipo de contexto para a determinação de seu significado é o pronome ‘eu’. No caso deste pronome, precisamos apenas da indicação de seu agente para que possamos determinar o seu significado. Os contextos “largos” (wide) consistem dos elementos dos contextos estreitos mais algo que poderia ser relevante para o entendimento do indexical. Um exemplo de uso deste tipo de contexto para o entendimento de um determinado indexical se dá no caso de referências a gestos para a indicação de certas características (dos objetos que estão sendo referidos nas frases). Os contextos são caracterizados como automáticos quando dados os significados e o contexto a designação da referência é imediata. Desta forma não importaria a intenção do agente de proferimento para a caracterização do contexto. Os contextos intencionais são aqueles para os quais as palavras proferidas possui um certo tipo de ambigüidade ainda que possamos determinar qual palavra, significado e o contexto de seu uso (sem a determinação da intenção do agente que profere a palavra ou sentença). Estes contextos são comumente caracterizados como aqueles no qual aparecem uma grande quantidade de objetos. Qualquer um destes objetos poderiam ser candidatos à referência do que foi proferido sem que qualquer elemento do significado ou do contexto contribua para decidir qual destes objetos deve ser o referenciado. Os contextos estreitos e largos podem ainda ser combinados com os contextos automáticos e intencionais formando assim quatro tipos de combinações: automático/estreito, automático/largo, intencional/estreito e intencional/largo (para maiores detalhes ver [Perry 2000]).
A indexicalidade pode ser apresentada de dois modos. As expressões em inglês que representam estes modos são (a) “context-dependent” e (b) “token-reflexives”. Tanto (a) quanto (b) não são explicativos o suficiente segundo Perry. Com relação ao conceito (a) percebemos que é de comum acordo que os indexicais carreguem um tipo de semântica que leva em conta as mudanças no contexto de uso. Todavia, estas mudanças não são explícitas e, portanto, necessitam de atenção tal como vimos acima. Com relação ao conceito (b), notamos que ambas as partes da expressão apresentam ambigüidades. Em inglês o termo “token” possui pelo menos dois usos distintos. Por um lado, ele pode ser usado para designar o ato da fala, da escrita, etc., ou seja, designa o uso da linguagem, por outro, este mesmo termo pode ser usado para designar o objeto que é produzido pelo uso da linguagem (cf. [Perry 2000], p. 313 e [Reichenbach 1947]). Perry critica a maneira como Reichenbach entende o conceito de indexical. Reichenbach introduz o conceito de indexical como “token reflexive” porém, como Perry observa, os pronomes demonstrativos que são tomados como indexicais não são necessariamente reflexivos (ver a lista de indexicais em [Kaplan 1989]). A critica de Perry, todavia, não leva em conta que a relação entre indexicalidade e reflexividade pode não ser indentificada de maneira direta. Para Perry a palavra “eu” (I) não parece ser tão reflexiva quanto a expressão “eu mesmo” (myself) e assim Perry acaba concluindo pelo equivoco de Reichenbach. O argumento de Perry, porém pode ser questionado. Se olharmos com mais cuidado para a relação entre reflexividade e indexicalidade, poderemos perceber que Reichenbach pode não ter se equivocado tal como sugere Perry. Tanto a expressão “eu mesmo” quanto a palavra “eu” têm seu significado atrelado à idéia de reflexividade. A maneira como podemos entender o significado de tais palavras envolve graus diferentes a idéia de reflexividade, mas não a ausência de tal idéia.
Existe uma certa complexidade ao se tratar da teoria dos indexicais. Como vimos acima, de maneira rápida e resumida, esta complexidade é identificada e estudada por Perry em seu texto What are Indexicals?. O detalhamento com relação aos contextos de uso dos indexicais é de fato bastante esclarecedor. Todavia, os problemas de ambigüidades não podem ser superados com tais análises. Percebemos, por exemplo, que não há uma distinção nítida o bastante para traçarmos uma divisão precisa entre contextos automáticos e intencionais. Mesmo se esta divisão puder ser traçada, ficamos ainda com o problema do entendimento acerca da intencionalidade que nos remete de imediato a fatores subjetivos. O estudo apresentado por Perry, porém, nos auxilia a detectarmos o lugar da ambigüidade em grande número de casos. Poderíamos assim considerar tal texto como uma espécie de manual técnico para o diagnóstico do tipo preciso de ambigüidade que aparece constantemente em nossa linguagem natural. Em certos casos este “diagnóstico” pode não ser o bastante para que superemos os problemas atrelados à ambigüidade seja com relação aos indexicais ou não.
Referências
[Almog et alii 1989] ALMOG, Joseph; PERRY, John & HOWARD, Wettstein (Eds.). Themes from Kaplan. Oxford University Press. Oxford, New York. 1989.
[Braum 2007] BRAUM, David. Indexicals. Stanford Enciclopedia of Philosophy. on-line na web. 2007.
[Castañeda 1966] CASTAÑEDA, Hector-Neri. ‘He’: A Study in the Logic of Self Consciousness. Ratio, 8: 130-157. 1966.
[Castañeda, 1967] –––––––––. Indicators and Quasi-Indicators. American Philosophical Quarterly, 4: 85-100. 1967.
[Frege 1997] FREGE, Gottlob. MICHAEL, Beaney (Ed.). The Frege reader. Blackwell. Publishers. 1997.
[Kaplan 1989] KAPLAN, David. "Demonstratives." em [Almog et alii 1989], pp. 481-563.
[Perry 2000] PERRY, John. The problem of The essential indexical and other essays. CSLI policátions. Stanford, California. 2000.
[Reichenbach 1947] REICHENBACH, Elements of Symbolic Logic. New York: Macmillan, 1947.
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